segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Goleada do Barcelona sobre o Santos só evidencia questões que já deveriam ter sido absorvidas pelos brasileiros


Rasgar elogios à atual equipe do Barcelona pode não ser suficiente para evidenciar a sua qualidade. Afinal, os comandados de Pep Guardiola vêm unindo dois pontos do esporte que em raras ocasiões se encontram: plasticidade e eficiência. Em 2011, além dos espetáculos proporcionados na maioria das partidas, os catalães já levantaram cinco taças, duas delas no primeiro semestre, quando Messi e companhia conquistaram o Campeonato Espanhol e a Liga dos Campeões - a última após um incontestável 3 a 1 no competitivo Manchester United em pleno solo inglês. Na segunda metade do ano, o Barcelona venceu as Supercopas da Espanha - sobre o rival Real Madrid - e da Europa - diante do Porto. E, no último domingo, somou-se aos quatro troféus já citados o do Mundial de Clubes, conquistado depois de uma sonora goleada de 4 a 0 aplicada no Santos.

Quanto à decisão de Yokohama, apenas a incontestável capacidade técnica do adversário não justifica a derrota santista. A diretoria do clube, que merece elogios por várias decisões felizes tomadas em 2011, parece ter dado mais atenção à permanência de Neymar do que à ideia de reforçar o elenco. Edu Dracena e Durval colaboraram na campanha do título da Libertadores, mas a lógica mostrava que, para conter um dos melhores times que o mundo já viu, era preciso qualificar a defesa. Além disso, a partida de domingo em momento algum lembrou as finais de 2005 e 2006, nas quais São Paulo e Inter, com entrega admirável, derrotaram Liverpool e Barcelona, respectivamente. Para equilibrar a balança, é imprescindível dedicar-se durante os 90 minutos, sobretudo à marcação, visto que, tecnicamente, os europeus ainda são superiores.

Mais importante que destacar essas questões, porém, é absorver um ensinamento dado pelos catalães e conhecido por todos há muito tempo, mas que, infelizmente, só veio à tona com a goleada da decisão. Em dado momento da entrevista coletiva pós-jogo, Guardiola ressaltou que o abismo financeiro existente entre brasileiros e europeus no futebol não explica o elástico placar, já que nove dos onze jogadores que iniciaram a partida de azul e grená foram revelados pelo próprio clube. A filosofia do Barcelona, que teve em Cruyff, craque do carrossel holandês da década de 70, um de seus principais mentores, é clara e consiste em formar atletas à sua maneira, isto é, transmitir a eles um estilo singular de jogar futebol e lhes proporcionar entrosamento ao longo dos anos. Os frutos desse processo podem demorar a aparecer, mas um dia são colhidos.

Uma breve análise a respeito do Corinthians, o campeão brasileiro, comprova que o nosso futebol caminha em direção contrária. Dos treze jogadores que participaram do jogo do título há pouco mais de duas semanas, apenas o goleiro Júlio César cresceu no Parque São Jorge. E a pouca influência das categorias de base no Brasil fica ainda mais evidente se relembrarmos as campanhas vencedoras do clube na Copa São Paulo de Juniores, cujo principal objetivo é revelar bons valores. Dos doze corintianos que entraram em campo na decisão com o Nacional-SP em 2005, ano do penúltimo título do Corinthians na competição, só dois - o próprio Júlio César e o volante Bruno Octávio - fazem parte do elenco de Tite atualmente. Além disso, dos treze alvinegros que estiveram na final de 2009, nenhum participou diretamente da conquista do título do Campeonato Brasileiro.

A mentalidade da maioria dos dirigentes do futebol nacional é a do resultado imediato, que deve ocorrer, de preferência, ainda na gestão de determinado presidente. Em tempos de diretores sem nenhuma relação com a instituição que controlam, qual é a vantagem em plantar uma árvore que só vai alcançar seu ápice quando a oposição estiver no comando? Esse pensamento faz com que os clubes optem por direcionar grande parte dos investimentos ao elenco principal, e não à formação de jogadores. Além disso, nas categorias de base, dá-se muita importância à vitória a qualquer custo e aos títulos, que, se não conquistados, podem custar o cargo do treinador. É importante ressaltar que, apesar dos resultados obtidos na "Era Ronaldinho", o sucesso do Barcelona só começou a ser creditado quase que integralmente à base há pouco mais de três anos.

A ideia não é adaptar totalmente o futebol brasileiro ao europeu, visto que não se pode relevar as diferenças culturais e econômicas que separam esses dois continentes. Porém, aplicar no Brasil o exemplo que o Barcelona vem dando há muito tempo não é nenhuma utopia. Hoje, nenhum clube brasileiro está associado a determinada forma de jogar futebol como os catalães se relacionam com a posse de bola, os passes precisos e a intensa movimentação. Quem mais se aproxima desse feito é o Santos, que procura reviver a época de Pelé formando gerações ofensivas - ainda que a final do Mundial não tenha passado essa impressão. O futebol brasileiro tem condições de, a partir das categorias de base, resgatar sua rica identidade. Esta inspirou várias outras equipes, inclusive o Barcelona de Pep Guardiola, aquele que, curiosamente, nos inspira na atualidade.

No vídeo abaixo, confira os quatro gols da decisão do Mundial. A incontestável vitória do Barcelona sobre o Santos de Neymar e companhia deixa evidente questões que já deveriam ter sido adaptadas e aplicadas no Brasil.


2 comentários:

  1. Cairo, sou Tiago, filho do Dolfinho, do Blog do Dolfinho, onde você deixou um comentário. Parabéns pelo excelente texto, com conteúdo e bem escrito. Concordo plenamente com você: o Barcelona vem provando, há algum tempo, que a base é a chave do sucesso. Quem não entender a mensagem, ficará para trás, num futuro não muito longínquo. Continue escrevendo assim e irá longe na sua carreira... Abçs.

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  2. Muito obrigado pelos elogios, Tiago.
    E, sem dúvida, daqui para frente, serei um leitor assíduo do blog do seu pai.
    Abração!

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