sábado, 26 de novembro de 2011

Torcedores de clubes tradicionais brasileiros dão aula de amor à camisa a agremiações itinerantes


"O futebol não é uma questão de vida ou morte. Eu posso assegurar que é muito mais importante que isso...". A frase anterior foi dita por Bill Shankly, um ex-treinador escocês tricampeão inglês com o Liverpool, equipe da qual esteve à frente durante 15 anos. Ainda que seja da autoria de Shankly, no entanto, a ideia é compartilhada por milhões de pessoas ao redor do mundo. É inegável que, acima de qualquer interesse financeiro, o ingrediente responsável por fazer do futebol um esporte tão incrível é a paixão que os torcedores nutrem pelo seu time de coração. Aquela que te motiva a acordar cedo em um domingo de manhã - ou que, às vezes, provoca insônia - e te faz vestir a camisa da equipe preferida antes de qualquer coisa. A idolatria por um clube nasce no momento de sua fundação e vai sendo transmitida de geração para geração. De pai para filho.

Nos últimos anos, entretanto, o que se vê no futebol brasileiro é o contrário. As questões econômicas, em muitos casos, parecem vir em primeiro plano, e dirigentes comandam clubes com os quais não têm nenhuma relação de afeto. Além disso, o esporte nacional vive a era das agremiações itinerantes, cujo controle fica a cargo de empresários que fazem delas o que bem entenderem, inclusive as absurdas e constantes mudanças de cidade. É verdade que o amor pelo futebol possui um enorme alcance, porém, nesse caso, é forçado o nascimento de uma identidade que não existe e que dificilmente existirá. Os resultados dentro de campo podem até aparecer - e muitas vezes aparecem, visto que milhões são investidos em um curto espaço de tempo -, mas a paixão que une o torcedor ao clube não nasce de uma hora para outra e não pode ser comprada.

O exemplo mais recente de casos como esse no Brasil é o do Grêmio Barueri. O clube foi fundado em 1989, mas passou a disputar competições oficiais apenas em 2001. No ano seguinte, a equipe da Grande São Paulo conseguiu subir para a Série B2 (o equivalente à 5ª divisão) do estadual. Seguindo nesse ritmo, o time de Barueri alcançou o acesso à 1ª divisão em 2006. Porém, em 2009, quando, aos poucos, devido ao sucesso recente, a equipe já começava a conquistar os torcedores da cidade, que não tem uma outra agremiação tradicional, uma desavença entre dirigentes e a prefeitura transferiu a sede do clube para Presidente Prudente. Uma simples análise da média de público do Brasileirão de 2010 evidencia o quão desastrosa foi a decisão: 4.569 "torcedores" por partida, a pior do torneio. Em 2011, fazendo jus à fama de itinerante, o clube retornou a Barueri.

Não posso esconder que minha principal motivação para escrever este texto foi a torcida do Santa Cruz. O maior patrimônio do clube pernambucano não são os 25 títulos estaduais conquistados ao longo de seus 97 anos de existência, mas, sim, os torcedores apaixonados que o apoiam em qualquer circunstância. A fidelidade dos santacruzenses é tanta que o Tricolor teve a melhor média de público de todo o Brasil em 2010, com cerca de 30 mil torcedores indo ao Estádio Arruda a cada jogo. E o mais impressionante é o fato de, no ano em questão, o Santa Cruz ter disputado apenas a 4ª divisão do futebol nacional. Para se ter uma ideia desse feito, o Fluminense, campeão brasileiro em 2010, teve média de público de 22 mil torcedores por partida. Em 2011, para a alegria dessa fiel torcida e de quem gosta de futebol, o Santa Cruz conseguiu o acesso à 3ª divisão.

Outras três equipes também merecem ser citadas. A começar pela Portuguesa, que garantiu vaga na elite do futebol brasileiro após ter feito a melhor campanha da história da 2ª divisão sob o comando de Jorginho. Os torcedores da Lusa, que nunca haviam comemorado um título de relevância nacional, poderiam ter se rendido ao poderio dos outros três grandes clubes da cidade. Porém, ao longo desses anos, mantiveram-se leais e, em 2011, foram premiados com tamanha alegria. Emoção semelhante também viveu a torcida da Ponte Preta, que, cinco anos após a queda, retorna à 1ª divisão. Mais empolgante que a vitória dentro de campo foi o choro dos pontepretanos nas arquibancadas do Moisés Lucarelli. Neste sábado, 26, foi a vez de os torcedores do Sport, em um gesto histórico, invadirem o gramado do Serra Dourada após a conquista do acesso.

Três equipes "nômades" também fizeram boa campanha na 2ª divisão. O Boa Esporte, clube mineiro de Ituiutaba que se mudou para Varginha em 2011, chegou a ocupar a 4ª colocação durante a rodada final, mas deixou essa condição assim que o Sport abriu o placar contra o Vila Nova. O Americana - antigo Guaratinguetá, para onde deve voltar - terminou a competição em 8º, uma posição à frente do Grêmio Barueri. No entanto, para o bem do futebol brasileiro, as quatro primeiras colocações foram ocupadas por Portuguesa, Náutico, Ponte Preta e Sport. Com isso, a 1ª divisão, além de ganhar quatro equipes de grande tradição e torcidas apaixonadas, terá dois clássicos a mais em 2012: um paulista e outro pernambucano. O pensamento de Bill Shankly, lendário treinador falecido em 1981, continua justificando acontecimentos históricos do mundo do futebol.

Nos vídeos abaixo, confira a festa das torcidas de Portuguesa, Ponte Preta e Sport, que comemoraram com empolgação o retorno à 1ª divisão. Será que os clubes itinerantes proporcionariam cenas tão emocionantes?






2 comentários:

  1. Cairo, parabéns por mais um excelente texto! Só faço uma observação: quanto ao BOA Esporte, antigo Ituiutaba, creio ser injusto colocá-lo no mesmo bolo de Grêmio Barueri e Americana, pois sua mudança de cidade ocorreu apenas e tão somente pelo fato do estádio municipal de Ituiutaba (Fazendinha) ter capacidade para pouco mais de 5 mil torcedores, estando assim aquém das exigências da CBF para a disputa da 2º divisão do Brasileirão. À título de informação, a prefeitura de Ituiutaba já está trabalhando na reforma da Fazendinha, que deverá ficar pronta no máximo em 2013, possibilitando assim a volta da tradicional equipe do triângulo mineiro à sua cidade de origem, visto que o "novo" estádio atenderá inclusive exigências de série A.

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  2. É emocionante ver a determinação de um time de futebol. Quando os jogardores "lutam" com o coração, a torcida vai junto.
    Triste é ver o meu TRICOLOR entregue nas mãos de dirigentes mafiosos e jogadores mercenários.

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